quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A evolução da psiquiatria.



Philippe Pinel

A psiquiatria é uma ciência relativamente jovem no cenário da Medicina, e os dicionários revelam que o termo “psiquiatria” só passou a ter emprego corrente a partir de 1847.
Na Idade Média, as enfermidades mentais eram consideradas como expressões de algo sobrenatural e a psicologia representava apenas um breve capítulo nos Tratados Filosóficos e Religiosos vigentes na época. Surgiram no período pré-científico as instituições precursoras dos hospitais psiquiátricos, destacando-se a célebre Colônia Gheel, na Bélgica, em 850 d.C.;  oBedlam Hospital, em Londres, no ano de 1246; o de Sevilha em 1436 e o de Toledo em 1843.

Eram asilos que abrigavam os doentes mentais e contavam com o apoio de enfermeiros e de membros das ordens religiosas. Assim, a era pré-científica da psiquiatria estendeu-se da Idade Média até o final do século XVIII, quando iniciou-se o período científico em 1793 com os trabalhos pioneiros de Philippe Pinel e de Samuel Tuke. Antes do advento da era científica, os asilos da Bicêtre e Salpetrière acolhiam os doentes mentais ao lado de mendigos e de prostitutas, todos convivendo em condição desumana. Naquela época, os doentes mentais agressivos ficavam acorrentados como se fossem animais periculosos durante anos a fio.
Os historiadores consideram que a Psiquiatria, em seu período científico, passou por quatro revoluções:

A primeira revolução ocorreu com Philippe Pinel (1745 – 1826) que assumiu a direção do Hospício de Bicêtre, em Paris, em 1793, e dois anos depois, a direção do Asilo de Salpetrière. Era a época conturbada da Revolução Francesa e Pinel começou suas reformas, libertando os doentes mentais que estavam acorrentados durante anos.
O quadro célebre do artista Robert Fleury imortalizou o momento em que Pinel rompe as algemas de uma jovem e bela alienada.

Em quadro pintado em 1876 por Tony Robert-Fleury (1837-1912),

o médico francês Philippe Pinel (1745-1826) – cujo nome batiza
uma das mais importantes instituições psiquiátricas do Rio de
Janeiro – manda, em 1794, libertar os doentes do
hospital Salpêtrière de suas correntes


Dando início à fase científica da Psiquiatria, Pinel (1798) publicou sua obra “Nosografia Filosófica”, onde procurou classificar as doenças mentais, e em 1801, publicou o “Traiteé médico-philosophique sur l’aliénation mentale ou manie”. A doença mental, a partir de então, passou a ser considerada uma “doença de consciência” e surgiu o primeiro modelo científico aplicado à saúde mental, encerrando a fase pré-científica da Psiquiatria.
Como reflexo da obra de Pinel, surgiram na França nomes importantes como Jean Etienne Esquirol, Louis Florentin a Auguste B. Morel, que ajudaram a sedimentar o caminho para a moderna psiquiatria, onde os antigos asilos foram substituídos por modernos hospitais psiquiátricos, verdadeiros centros de neurociências, como existem hoje na França e em países de Primeiro Mundo.

Temos que assinalar que na mesma época de Pinel, Samuel Tuke, um quarker, renovou de forma inspirada a precária assistência aos doentes mentais na Inglaterra. Fundou uma instituição dedicada aos doentes mentais em uma espaçosa casa de campo, com janelas sem grades, cercadas de jardins. A casa era dominada de Retiro e as atividades desenvolvidas com os enfermos consistiam em trabalho ativo nos jardins e na fazenda. Logrou grande sucesso e seu modelo foi copiado em outros países, tendo inspirado a construção das Colônias de Juqueri e Juliano Moreira que, em seu projeto original, estimulava o trabalho no campo como terapêutica para os doentes mentais.

A segunda revolução ocorreu no início do século XX com a obra de Sigmund Freud que ressaltou a gênese dos transtornos neuróticos, mostrando a importância da dinâmica familiar. Freud e seus discípulos, entre eles Carl Jung, foram os pioneiros no campo da psicoterapia, de grande importância na prática da psiquiatria moderna em interação com a psicofarmacologia avançada nos tempos atuais.

A terceira revolução ocorreu na década de 1950, sendo iniciada com a descoberta da Clorpromazina, sintetizada por Carpentièr (1950). Delay e Deniker (1952) publicaram o trabalho científico intitulado “Utilização em terapêutica psiquiátrica de uma fenotiazina de ação central eletiva”, onde relataram os efeitos benéficos deste medicamento no tratamento das doenças mentais. Assim, o emprego da Clorpromazina tornou-se obrigatório em todos os hospitais psiquiátricos da época.

Surgiu-se, então, uma série de descobertas de grande repercussão nos tratamentos psiquiátricos. Kline (1958) relatou a eficácia do tratamento de pacientes deprimidos com o uso da Tranilcipromina, uma substância inibidora de monoaminoxidase. Na mesma época, Thomas Kuhn relatou a eficiência da Imipramina no tratamento contra as depressões.
Sternbach (1960) sintetizou o Clordiazepróxido, o primeiro ansiolítico benzodiazepínico, dando início à descoberta de outros derivados ansiolíticos. Enfim a década de 1950 significou uma revolução psicofarmacológica com a descoberta de neurolépticos, antidepressivos e ansiolíticos possibilitando que inúmeros pacientes psicóticos fizessem seus tratamentos permanecendo integrados em seu meio sócio-familiar. Permitiu, assim, que a Psiquiatria Comunitária, com seus serviços psiquiátricos, evoluísse de um sistema hospitalocêntrico para uma rede de serviços extra-hospitalares mais adequados à assistência e recuperação dos doentes mentais.

A quarta revolução corresponde à Reforma Psiquiátrica, movimento de expressão mundial e que nasceu no amplo território da Psiquiatria Comunitária. Merecem destaque as reformas psiquiátricas ocorridas nos EUA, na Itália, na França e no Canadá e, na atualidade, as suas conseqüências já podem ser mensuradas e avaliadas em seus avanços e retrocessos, de grande alcance social sobre a vida dos enfermos, de seus familiares e de suas respectivas comunidades.
No Brasil, a reforma psiquiátrica teve aspectos criativos, tais como: a criação de CAPS, NAPS e Residências Terapêuticas. Ocorreu a extinção de inúmeros leitos e fechamento de muitos hospitais psiquiátricos. Um de seus mentores foi o Delgado (1987), que afirma em trabalho de sua autoria:

Em primeiro lugar, a desopitalização, isto é, conjunto de procedimentos destinados a transformar um modelo assistencial baseado na segregação hospitalar em uma prática assistencial que não isole o paciente da comunidade. Inclui-se aqui a reintegração social dos segregados que vem sendo designada genericamente como ressocialização. Um segundo aspecto não dissociado do primeiro, implica definir um novo papel a ser desempenhado pelas instituições públicas concretas que até então cumpriam função asilar.”

Assim, os objetivos da reforma vêm sendo perseguidos e entre eles desenha-se um aperfeiçoamento do tratamento administrados aos enfermos psiquiátricos.
A meta desejada tanto por psiquiatras como pela família do paciente, é sua reinserção sócio-familiar, evitando internações e, naqueles casos agudos, realizando internações de curta duração em hospitais psiquiátricos de pequeno porte e em hospitais gerais.   

3 comentários:

  1. Ótimas reflexoes sobre as tranformaçoes ocorridas na psiquiatria. A "ressocializaçao" é um processo que vem acntecendo desde a reforma, mas infelizmente ainda nao é uma realidade social. ESpero que o coletivo de pessoas diagnosticadas com transtornos mentais graves possam cada vez mais ter uma voz ativa e presente na sociedade, e que possamos conviver em nossos meios de trabalho e em nossos circulos sociais.

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